segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O Programa Cultura Viva e suas ações - Por Raí Marques

                                  Foto - por Raí Marques

            No Ceará não tinha disso, não! Nasci no interior daquele estado oito anos após iniciada a ditadura militar no Brasil e a treze anos de seu final -1972. Também aos 13 anos, de idade, eu já era apontado como talento na área cênica naquele lugar. O contraponto era vir de família bastante tradicional aliado ao preconceito de uma sociedade ainda catequizada pelos princípios militares, visto que nós, adolescentes à época, participávamos de atividades de recreação orientadas por eles e seu conceito de recreação. Nenhuma atividade que tivesse o viés cultural era estimulada. Apesar disso, alguns professores de outras disciplinas reconheciam nossos talentos e sempre solicitavam nossa participação nos eventos comemorativos da escola quer nos palcos ou na sua produção. Muitos de nós tiveram sua experiência artístico-cultural encerrada ali.

            Nos dias atuais, o Programa Cultura Viva, do Ministério da Cultura – MinC, criado em 2004, veio ao encontro dos anseios de quem faz arte e cultura em nosso país. Antes, na melhor das hipóteses, havia, desde 1991, a Lei Rouanet, que apesar de não conseguir abarcar a pujante e promissora economia da cultura brasileira, deixando de fora pessoas, potenciais, ideias, etc., era de qualquer modo um ponto de partida.

          Ponto, Pontinho e Pontão de Cultura são locais previstos no Programa Cultura Viva capazes de agregar aqueles que ficaram a margem da Lei de Incentivo, gerando conhecimento, qualificação, desenvolvendo potencialidades e, sobretudo, alimentando a cultura e a economia nos mais remotos rincões deste país. Ou seja, mais uma vez chegou-se a conclusão a que os artistas há muito tempo chegaram: a riqueza cultural aflorada pode sim se constituir em um nicho rentável capaz de alavancar a melhoria da qualidade de vida das comunidades onde ela se manifesta.

                Quase que diariamente, somos informados de que práticas educacionais associadas a manifestações culturais, ou esportivas ou outras, apresentam resultados escolares positivos, provando que a cultura é transversal. Essas instâncias têm que deixar de ser consideradas “extracurriculares” e se incorporar à realidade da vida escolar.

           Os Pontos de Cultura implantados pelo Programa do MinC contribuem para um resultado ainda maior: eles têm a qualidade de agir multidimensionalmente, no sentido de resgatar, não deixar morrer, incentivar, organizar todas as potencialidades culturais identificáveis nas comunidades. Nesse processo, as comunidades têm a chance de iniciar um ciclo promissor deixando a marginalidade, a violência urbana, vivenciando a dignidade e o reconhecimento. Exemplos disso são os Pontos de Cultura Felipe Camarão, em Natal, no Rio Grande do Norte, que ensina a tradição local na fabricação, no manuseio e nas apresentações artísticas de rabequeiros; a ONG Juriti, de Juazeiro do Norte, no Ceará, que resgata jovens da marginalidade e os profissionaliza nas atividades circenses; ou ainda o A Bruxa tá Solta, de Boa Vista, em Roraima, que aproveita a cultura imaterial como lendas em espetáculos cênicos.

          O programa Cultura Viva compreende a pluralidade das manifestações da cultura popular brasileira, e, ao mesmo tempo, busca organizar o fazer artístico, no sentido de proporcionar aos beneficiados orientação sobre produção, desenvolvimento de projetos, captação de patrocínio, orçamento, cronograma e principalmente avaliação de resultados. Essa ação caiu como luva sobre a profissionalização dos “fazedores de cultura”, conscientizando-os inclusive de suas obrigações como contribuinte, no sentido de pagar de forma justa os profissionais envolvidos, recolher encargos, taxas e impostos, utilizar e reutilizar materiais e principalmente desenvolver atividades de forma sustentável.

               O programa foi pensado e implantado como processo contínuo e dinâmico, sendo os Pontos de Cultura organismos vivos da sociedade quer sejam voltados ao levantamento de recursos, ao consumo de seus próprios projetos, sejam eles cênicos, de pesquisa, de difusão, etc. O fundamental aqui é que o MinC se preocupou em não engessar as possibilidades de ação desses Pontos, oferecendo um ambiente propício à criação e ao desenvolvimento de projetos que tenham preferencialmente como foco a cultura local. E hoje, vemos que essa posição contribui para que os resultados colhidos sejam espetáculos majoritariamente originais.

             As ações do Programa permitem dar visibilidade a projetos – e viabilizar sua circulação - das mais diversas manifestações de arte como cênica (dança, teatro, circense, performance), audiovisual (cinema, documentário, vídeo clip, vídeo-arte, animação), produção de moda e artesanato, publicações (livros, artigos, pesquisa), das artes plásticas (fotografia, pintura, escultura, gravuras, etc.), música (instrumental, vocal, vocal/instrumental), além das manifestações tradicionais (quadrilha, bumba-meu-boi, congada, tambores, samba, ciranda, maracatu, contação de história, comida típica e cultura imaterial). Elas contemplam ainda toda a pluralidade étnica brasileira, as manifestações populares e eruditas, o uso das novas tecnologias, que propiciam difusão acelerada de todo esse processo, seja na troca de experiências, seja nas relações denominadas de Cultura Digital, proporcionando ações como as do Vídeo nas Aldeias, em que os próprios indígenas documentam sua cultura.

        Essas ações ainda contribuem para que jovens que participam dos projetos desenvolvidos pelos Pontos de Cultura e que se sintam capazes de transferir o conhecimento adquirido se tornem multiplicadores, incentivando seus iguais e diferentes a participar das vivências nos Pontos de Cultura. Aqui, o Governo Federal percebeu a necessidade de um esforço conjunto entre diversos órgãos oficiais e o Ministério da Cultura. E já existem ações em parceria com os ministérios do Desenvolvimento Social, Trabalho e Emprego, Esporte, Turismo, da Ciência e Tecnologia, Justiça, Educação e, desde 1991, Fazenda - Lei Rouanet - com os incentivos e renúncia fiscal.

           E a escola? O que dizer? É lá que tudo se funde. Ter na escola a iniciativa de desenvolver projetos que aliem educação ao saber artístico é absolutamente exeqüível. Nesse contexto a escola dará mais ênfase à sua participação na formação de cidadãos que além de conhecimento formal, sejam tolerantes em relação à diversidade humana, praticantes da cultura de paz, promotores da qualidade de vida e sustentabilidade da cadeia produtiva da arte.

             Essas ações deverão ser desenvolvidas desde o ensino fundamental até o superior, visando a que a transversalidade na educação possa formar engenheiros e arquitetos que em seus projetos de construção, por exemplo, de uma escola, prevejam espaços adequados às manifestações culturais, ao convívio, etc.; que futuros médicos possam proporcionar atendimento mais humanizado a seus pacientes; que futuros administradores possam perceber a sutileza das relações humanas; que futuros políticos sejam menos egoístas, e que futuros pais valorizem sempre a educação e a cultura como ferramentas básicas na formação de seus filhos.

            O Programa Cultura Viva e suas ações têm contribuído imensamente com toda a cadeia produtiva do fazer artístico brasileiro, beneficiando pessoas, ideias, economias, proporcionando auto sustentabilidade e, em muitos casos, sendo a razão de ser dessas pessoas, os verdadeiros fiéis da balança.

               Voltando no tempo! Ao completar 18 anos de idade, era natural que os rapazes como eu fossem para o mercado de trabalho a fim de ajudar nas despesas de casa. Tentei tomar um rumo diferente, realizando um acréscimo ao trabalho formal. Sem o conhecimento e o apoio de familiares e amigos próximos, fui participar de grupos de teatro, e foi na dança clássica que me encontrei. Desnecessário dizer que, àquela época, não havia perspectiva de auto sustentação. Ah! Quisera eu ter tido a oportunidade de me beneficiar de um programa como o Cultura Viva.

            Em 2003, me formei em administração, em cuja área trabalho até hoje, empregando esse conhecimento na produção de eventos artísticos e culturais, nicho mercadológico competitivo na atualidade e que integro essa categoria com dedicação, criatividade, força de vontade e alto desempenho.

2 comentários:

  1. Raí Marques,

    Você representa grande fonte de capacidades e dedicação. Admiro muito você e todo o maravilhoso trabalho que desenvolve sempre, empenhando arduamente toda a sua capacidade criativa e inovadora, embasadas na riqueza cultural e no amor às artes.
    Parabéns pelos trabalhos que você desenvolve e que essa paixão intensa, que você dedica ao trabalho e às pessoas, continue a contruir para a abertura de novas portas e conquistas, como merecida recompensa e reconhecimento desse seu papel na sociedade.
    Com carinho,
    Robelma France

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